quinta-feira, 26 dezembro, 2024

A mutação do hip hop

Olá leitores e leitoras de minhas colunas no Portal Enraizados. Hoje acordei com vontade de escrever e esse é o meu canal favorito.

Hoje vou escrever sobre o passado e o futuro do hip hop e espero que acompanhem o meu raciocínio, pois não estou aqui pra criticar ou enaltecer A ou B, mas pra mostrar o ponto de vista de um cara que está há 23 anos na cultura e há 10 anos vivendo exclusivamente dela.

Há cerca de um mês fiquei muito preocupado com alguns acontecimentos nos eventos de rap da Baixada Fluminense, foram três brigas, em três locais diferentes, em uma semana (duas em Nova Iguaçu e uma em Mesquita). Sem contar com trocas de ofensas nas redes sociais e alfinetadas aleatórias. Nunca antes eu tinha ouvido falar de nada parecido, e lembre-se que são 23 anos de hip hop.

Estou há 17 anos à frente de uma organização de hip hop chamada Instituto Enraizados, e um dos objetivos da instituição é mostrar os benefícios do hip hop para a sociedade, mostrar que o hip hop é capaz de auxiliar positivamente na educação, na economia, na política, no lazer, etc… por isso tentamos integrar o hip hop a outras expressões culturais, visto que o próprio hip hop já é uma cultura de artes integradas. Resumindo, tentamos “popularizar” o hip hop.

Desde os primórdios ouço reclamações de que não existem mais eventos de hip hop, somente de elementos separados, contudo é importante não generalizar, pois desde a “idade da pedra do hip hop” alguns produtores insistem em reunir “com maestria” os quatro elementos em um único evento. Contudo não podemos negar que hoje o hip hop tem um público infinitamente maior do que há dez anos.

Antigamente quando você ia num evento, o público era formado exclusivamente por artistas. Lembro que tínhamos que provar a todo tempo que o hip hop era uma coisa boa, que era sim uma cultura marginal, mas não uma cultura de bandido. Que haviam benefícios. O hip hop tinha valores.

Hoje é fácil de ver 500 ou mais jovens reunidos num evento de hip hop (ou de elementos separados), e poucos desses são artistas, muitos vão arrumados como hiphoppers, são consumidores, contudo grande parte não tem comprometimento algum com a cultura hip hop.

É o bonde do “eu amo essa porra, mas se acabar foda-se”.

Meus questionamentos com o hip hop hoje são os mesmos que eu fazia com o funk antigamente, se você quer que mais pessoas curtam e respeitem o que você faz, você precisa “medir suas palavras parça”. E como diz meu amigo FML, você faz o que você quer dentro da sua casa, em local público o seu direito de falar merda termina quando o do coleguinha do lado começa.
(E estou falando de local aberto, rua. Não estou falando de clube fechado, festas em casa, etc.)

Isso me faz lembrar de uma música do Bob X com o Slow da BF, que questiona se o hip hop for proibido, quem vai ter peito de se tornar um criminoso para continuar praticando a arte?
“Muitos trutas da treta vão colocar camiseta de rock” “Vão negar o hip hop como Pedro negou Cristo”.

E não é caretice da minha parte, pois por exemplo:

01) não tenho nada contra a maconha, mas não concordo que se fume maconha em locais públicos, principalmente se for evento de hip hop por que a maconha não é um elemento do hip hop (lembre-se sempre do que o FML disse);

02) não tenho nada contra batalha de sangue, inclusive gosto bastante, mas acho que os MCs deveriam ter o bom senso na hora de ofender o companheiro com expressões racistas, machistas, etc… mas deveriam um tomar um cuidado maior ainda quando essa ofensa ultrapassa o palco, a disputa entre dois MCs e ofende quem não tem nada a ver com a “briga”, como familiares ou grupos específicos. Tá sobrando ofensa e faltando criatividade e técnica.
Existem um ditado que diz que “a boca só fala o que o coração tá cheio”;

03) prezo pela liberdade de expressão e artística, cada um manda na sua música, nos seus temas, nas suas formas, lembrando-se que estamos a todo tempo influenciando pessoas e sendo influenciados, por isso acredito que deva-se escrever e cantar aquilo que se acredita verdadeiramente;

04) acredito que tanto MCs de batalhas quanto MCs de grupos devam investir em suas carreiras, estudar e buscar uma melhoria constante da qualidade técnica;

05) acredito que os produtores de eventos devam começar a fazer a curadoria artística de seus eventos, isto é, separar os “homens dos meninos”.

Analisando como o hip hop era e como está, cheguei a conclusão de que não houve “evolução”, houve “mutação”, estamos falando de duas coisas totalmente distintas, mas que acredito que podemos colocar no mesmo trilho novamente, reunindo o melhor dos dois tempos em prol de uma cultura madura e sólida.

E aí, o que você acha? 

Sobre Dudu de Morro Agudo

Rapper, educador popular, produtor cultural, escritor, mestre e doutorando em Educação (UFF). Dudu de Morro Agudo lançou os discos "Rolo Compressor" (2010) e "O Dever Me Chama" (2018); é autor do livro "Enraizados: Os Híbridos Glocais"; Diretor dos documentários "Mães do Hip Hop" (2010) e "O Custo da Oportunidade" (2017). Atualmente atua como diretor geral do Instituto Enraizados; CEO da Hulle Brasil; coordenador do Curso Popular Enraizados.

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5 comentários

  1. Todo mundo deveria ler esse texto.

  2. Essa é uma realidade que temos que conviver com ela……pois a geraçao nova não querem saber de nada…e os que querem saber nao se movimentam…se isolam……é triste ver isso….precisamos fazer com a nova geraçao e as anteriores se encontrem com o incentivos de largarem os seus egos…..e passar a fazer cultura e arte de forma coletiva….EDUARDO SÔ
    TAMU JUNTOS….

  3. Muito bom texto

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