domingo, 22 dezembro, 2024

O direito ao voto

Para quem é da minha geração sabe o quanto votar nas eleições é importante.

A espera de longos anos sem esse direito criou uma expectativa muito grande, não apenas para aqueles que já havia experimentado o exercício do voto, mas também para aqueles que cresceram ouvindo relatos dos mais velhos.

Em 1982, a primeira eleição direta para governador foi acompanhado com muito entusiasmo por todos, inclusive pelos jovens que ainda não tinham 18 anos, que era o meu caso. Mesmo assim, nos fizemos presente nas ruas, nas campanhas, tentando entender o que era aquele momento, que não foi dado, foi conquistado por lutas que duraram 21 anos, como se a maioridade da ditadura militar fizesse ela desfalecer. Era vibrante saber que nossos pais, tios, professores… tinham lutado contra a opressão, contra o silêncio imposto, contra a censura na música, no cinema, no teatro, na literatura e que tínhamos recebido o legado de fazer acontecer na prática o real conceito de democracia.

É significante lembrar que na eleição de 1982, a Baixada Fluminense teve um papel imprescindível com relação a vitória de Leonel Brizola. O eleitor da Baixada sabia muito bem o que precisava, de um representante no governo do estado que fosse na raiz dos problemas sociais da população de baixa renda. Problemas esses que geravam desigualdades de duas formas, a dificuldade de sair de casa para o trabalho sem ter onde deixar os filhos e o direito à educação pública de qualidade.

Como as mulheres sempre tiveram maior responsabilidade sobre a educação dos filhos, era muito complicado, como ainda é hoje, ir trabalhar sem ter onde deixar suas crianças. A construção dos Centros Integrados de Educação Pública – CIEP, da qual o idealizador do projeto foi Darcy Ribeiro, realizou-se nas favelas e nas periferias como um todo. O projeto era a Revolução na Educação que até hoje esperamos, onde as crianças e jovens tinham educação formal (curricular), atividades culturais, esportivas, atendimento médico e odontológico, além de uma alimentação supervisionada por nutricionistas. Como o horário era integral, pais e mães podiam trabalhar mais tranquilos, já que seus filhos estavam sob cuidado de diferentes profissionais.

Em 1984, novamente grande expectativa, novamente tomamos as ruas pelas Diretas Já. Lembro que foi emocionante ver tanta gente na av. Presidente Vargas, no centro do Rio. Não houve repressão policial, como vi na Jornada de Junho de 2013. O governo do estado, políticos, sindicalistas, artistas, intelectuais e o povo estavam do mesmo lado porque havia um interesse comum na sociedade brasileira, resgatar o processo democrático. Todos estavam lutando, gritando pelo direito ao voto, pelo direito a um dos exercícios que faz da democracia e da vida republicana ser legítima.

Lembro também que acompanhei pelo noticiário a votação da Emenda Dante de Oliveira, emenda que daria o direito de na próxima eleição o povo brasileiro votar nos candidatos para Presidência da República. Infelizmente o colégio eleitoral em Brasília não aprovou. Foi decepcionante, frustrante.

É interessante notar que, muitas vezes a história guardando suas devidas proporções, gosta de se repetir. Quando na implantação da República no Brasil, no final do século XIX, houve um acordo entre as elites para que a República fosse comandada primeiro por militares, e só depois veio a chamada política do café com leite. No final do século XX quem disputou o cargo para presidente, Paulo Maluf de São Paulo e Tancredo Neves de Minas Gerais. Quem vence pelo voto indireto é o mineiro que não chegou a tomar posse. Tancredo Neves morreu no dia 21 de abril, mesma data da morte de seu conterrâneo Joaquim José da Silva Xavier, sendo esse no final do século XVIII. Quem assume é o vice José Sarney, protagonista muito atuante na ditadura, latifundiário do nordeste, onde até hoje sua família tem grande atuação em cargos públicos.

Por que estou relembrando, capturando a história e a minha memória?

Por mais que saibamos dos problemas de corrupção e dos descasos com as demandas da população mais pobres, com seus problemas que parecem que não serão resolvidos, não podemos desistir, abrir mão de direitos conquistados. Apesar dos desvios de conduta por parte dos politiqueiros, não podemos esquecer que já houve um tempo no Brasil que apenas os homens brancos possuidores de uma certa quantia de bens materiais podiam participar das eleições, onde os pobres, os negros e as mulheres não possuíam o mesmo direito.

Um exemplo emblemático é Nelson Mandela, o grande líder na luta contra o apartheid na África do Sul que perdeu a liberdade por mais de 20 anos. Ele nunca desistiu de lutar por uma maior participação de seu povo na cena política. O que muitos podiam achar, na época, que era utopia em uma África dominada por brancos, virou real, tão real que ele mesmo se tornou Presidente da República eleito pelo voto.

Então por que existe um movimento em pleno século XXI para que pessoas anule um direito que foi conquistado a duras penas? A quem pode interessar que renunciemos nosso voto consciente em candidatos que possuem propostas razoáveis, plausíveis? O que é mais coerente, continuar a luta ou desistir? E se desistimos quem realmente ganha essa batalha?

Para além do voto, temos a obrigação de acompanhar os trabalhos daqueles que são eleitos, e, principalmente daqueles que votamos. Hoje temos uma ferramenta que facilita esse trabalho, a internet.

Quando vejo que votei em pessoas que estão fazendo a diferença, sinto que estou caminhando, sinto que os sonhos daquela menina estão aos poucos se concretizando. Porém, hoje como mulher e como cidadã sonho ainda mais alto, pois sei que muito ainda temos que conquistar para a Baixada, para o Rio de Janeiro e para o Brasil.

Sobre Lúcia Santos

Produtora cultural do coletivo FALA

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