No rio que banha a cidadezinha de Paupérrimosa do Norte, Emiguiliácia, dia sim, dia não, lavava roupas. Vinha ela com uma trouxa de aproximadamente cento e trinta quilos, sabe lá Deus como alguém de canelas tão finas quanto varas de goiabeira, conseguia carregar tanto peso!
Pontual como a fome que assolava os esquálidos moradores de Paupérrimosa do Norte, lá ia ela garantir uns míseros trocados. Vale salientar que trabalhar por míseros trocados, era praxe naquele miserável povoado. Com o IDH de 0,00… Era raro ter alguém que não vivesse, ou melhor, sobrevivesse à custa de um subemprego. Na verdade se contava nos dedos, ou melhor, no dedo, a família que vivia acima dessa linha. Essa era a família do nada simpático Leidionaldo Dai Silva.
O nome estranho foi fruto de uma ideia infeliz de sua finada mãe Zenaide, que ansiava ter uma filha para dar-lhe o nome de Lady Dai, de quem era uma fã ensandecida. Zenaide, mau caráter que só ela, era natural de Paupérrimosa do Norte, e sonhava com uma vida de princesa, o que era um sonho considerado impossível para realidade local. No entanto, através de meios desonestos, conseguiu engravidar daquele que era o único bom partido da cidade, Fredinaldo.
Fredinaldo era o proprietário da carvoaria “A Coisa Tá Preta”, com a qual explorou por mais de meio século a população daquela região. Lá trabalhavam por até quinze horas por dia, de domingo a domingo. Troncos de goiabeiras moribundas [que outrora fora a fonte de riqueza da cidadezinha] eram a matéria prima do seu negócio lucrativo. Quando Leidinaldo nasceu, Fredinaldo intentou dar seu nome ao filho, no entanto, Zenaide embebedou Fredinaldo, que era tão ruim quanto ela, porem um pouco menos astuto, e viajou para Mendicantinópolis, a cidade mais próxima, que ficava a oitocentos quilômetros de Paupérrimosa, onde havia um cartório, e lá registrou o filho com o tal xingamento. Mas a fim de fazer uma média, ela bolou um misto do nome do marido Fredinaldo com o da sua adorada Lady Day. Por conta da falta de instrução o “Lady” foi aportuguesado mesmo, já que a triste não conhecia nem a palavra “Love” em inglês. Se bem que aquela família maldita não conhecia a palavra “amor” em nenhuma língua, dialeto ou gíria existente no mundo. Enfim, Fredinaldo morreu junto de Zenaide num acidente muito suspeito, assim Leidionaldo herdou a carvoaria “A Coisa Tá Preta” e perpetuou a exploração e destruição ambiental ali.
Voltando a falar da lavadeira Emiguliácia, nos dias que não trabalhava, ela tornava ao rio que foi o único meio de diversão num passado distante, e ficava lembrando-se dos bons tempos quando ali se banhava, e fartava-se de comer as graúdas goiabas. Mas as goiabeiras já não conseguiam se desenvolver, por conta da poluição causada pela limpeza dos fornos de carvão da “A Coisa Tá Preta”, que ocorria dia sim, dia não. A água suja desembocava no rio, por esse motivo, que sabiamente, Emiguiliácia ia lavar suas roupas no dia que não havia faxina nos fornos, para assim não encardir as roupas.
Mas o que está ruim pode piorar, e até o seu meio de subexistência lhe seria tirado, Emiguiliácia recebera a notícia de que a carvoaria “A coisa Tá Preta” estava expandido os negócios, e abriria uma filial. A produção de carvão não ia mais parar por conta da limpeza dos fornos, no dia que uma fábrica limpasse os fornos, a outra estaria produzindo e vice versa. Ou seja, não haveria mais dias de “água limpa” para Emiguiliácia trabalhar. Com a barriga roncando, a boca seca e os olhos úmidos, ela observou as goiabeiras sem folhas e sem frutos, o rio correndo escuro tal café, no entanto sem o aroma e sabor característico do mesmo, e morreu de desgosto!