sábado, 21 dezembro, 2024

A estória de um jovem periférico num longínquo verão

Goiaba estava na praia. Era 1988 e o litoral do Rio de Janeiro arretado de felicidade com o que havia acontecido no ano anterior se agitava cada vez que a possibilidade de um novo “carregamento” pudesse chegar á nossa costa litorânea, espraiando o sorriso na massa ensandecida pelo ocorrido.

A história do nosso herói se passa nesse pedaço sagrado do carioca. “Goiaba” era um nome ligado à geografia fluminense. Eu explico. Pelo menos a metade explico. Quem nasce do lado de lá da Poça D’água recebe dos cariocas o singelo apelido de “Papa goiaba”. A etimologia da palavra eu não sei explicar, até porque a única página do wikipédia que tem o termo foi sacaneada por algum intelectual de plantão que certamente odeia aquele lado de lá. Ou foi traído pela mulher mesmo!

O sonho de Goiaba era morar em Niterói. Continuaria a ser Papa Goiaba, mas em Nikiti City teria um “status” perante aos goiabas gonçalenses, considerados os primos pobres da história. Naquele verão de 1988 pegou 3 ônibus, todos lotados, sendo o terceiro o antigo 996, porque sabia que este o deixaria “perto” da praia.

Ao passar em Botafogo perguntou se ali era Copa. O trocador disse que não, Copa ficava distante. O fez ir até a Gávea e explicou: O senhor desce aqui, cruza a Lagoa e vai estar próximo à Ipanema ou Leblon, não sei ao certo, mas lá você pergunta como rumar pra Copa. Copa, segundo havia escutado no noticiário, ficava numa posição privilegiada pelo swell para que a desejada “carga” aportasse.

E lá foi Goiaba, de mochila, esperando encontrar o seu ouro tão sonhado! Andou pra cacete. Chegou à praia por volta das 15 horas. Havia deixado à casa 6 da matina! Houve um pouco de felicidade com a expectativa.

Houve felicidade também quando ao chegar a areia viu a enorme quantidade de gente bonita e feliz que estava ao seu redor. Certamente não tinha ninguém de mau humor, ninguém que precisasse pegar engarrafamento na ponte às cinco da tarde, um sucesso.

Começou então a vigiar o mar. Sim, dali poderia surgir sua carta de alforria. Goiaba levou binóculos para a praia, a observação era fundamental. Como olheiro na favela tinha uma certa prática, e o sonho de ter seu negócio próprio começou quando no ano anterior àquele “carregamento” divino quebrou as vendas na favela, desempregando o pobre sortudo Goiaba, que não teve tempo de virar estatística, que sonhava sim, ser um homem de negócios bem sucedido. Duro, sem expectativa, mas com informação, ele pegou a merreca da passagem com a avó e migrou, prometendo à velha retornar com vitória, com novas perspectivas. Partiu para a missão.

A hora passava, ficou desmotivado. O sol já se escondia quando a sorte grande bateu a sua porta. Com os córneos pegando fogo de tanto estar no sol observando, numa hora em que a praia já estava vazia, Goiaba percebeu no mar um brilho. E esse era chamativo, dava esperança. O cara entrou na água, que naquele momento estava revolta pelo swell que chegava aos poucos, perdeu o calção na arrebentação mas continuou firme no propósito! Nadou e nadou, sem concorrentes, apenas com o perigo do afogamento, mas absoluto. Sua surpresa maior ao se aproximar do objeto foi notar que não havia apenas uma lata do carregamento, mas cinco! Isso mesmo meus amigos, o cara tinha acertado na loteria! Faltou braço pra levar aquilo até a praia. Foi tocando o seu lote até sair do mar e acomodar tudo na mochila que havia deixado na areia. Quase faltou mochila também, mas o nosso herói deu um jeito de acomodar tudo, sem causar suspeitas em ninguém, pois a praia já estava vazia as dez da noite.

Migrou novamente em direção ás terras de Sir Ararigbóia! Sem engarrafamento! Pensava no “status” adquirido! O mundo estava aos seus pés!!! Mulheres, farra, noitadas, morar em Niterói! Era o ápice! Sonhou, dormiu bem pra caramba, beijou o travesseiro pensando serem modelos internacionais! As mais lindas. O cara tinha certeza que elas iriam até Niterói, seu novo lar! Mas na manhã seguinte o sonho de Goiabada desmoronou. Ao abrir as latas, constatou que era pó!

Um japonês pescador tinha ficado puto porque a tripulação de sua traineira não dormia a dias e ele que era o único com mulher a bordo, pois era o capitão, não conseguia chegar junto da patroa que não aceitava fazer amor com ele se houvesse alguém acordado no convés. Mesmo com pinto pequeno o japonês fodeu o Goiaba e seus sonhos! E eu acho que a mulher dele também! Ao invés do “Solana star” o Goiaba encontrou o “Harakiri”. Sacanagem! Sonho de pobre é fogo!

Goiaba com café decepcionou-se!!!! Não bebe a iguaria até hoje!

Sobre Cleber Gonçalves

Cleber Gonçalves é geógrafo, professor no CIEP 172.

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