A lenda e sua jornada infinita nos rabiscos
Nascido em 7 de outubro de 1969, Richard Quitevis, mais conhecido pelo nome artístico DJ Qbert, é uma lenda viva no mundo do DJing. De origem filipino-americana, Qbert é amplamente reconhecido como um dos maiores turntablists de todos os tempos, influenciando profundamente a história do DJing. Seu impacto é tão notável que ele foi nomeado o Melhor DJ dos EUA (America’s Best DJ) em 2010, através de votação popular, e venceu competições de prestígio, como o DMC USA Champion em 1991 e os títulos de Campeão Mundial do DMC em 1992 e 1993. Qbert também foi um dos membros fundadores do Invisible Skratch Piklz, um dos primeiros grupos a aplicar o conceito de banda ao turntablism, criando camadas de sons com scratch, linhas de baixo e solos sobrepostos.
Em 1990, Qbert começou sua carreira musical no grupo FM20, com Mix Master Mike e DJ Apollo. Esse grupo logo chamou a atenção de Crazy Legs, que os convidou para se juntarem ao lendário Rock Steady Crew*. O trio, atuando como Rock Steady DJs, venceu o Disco Mix Club World DJ Championships (DMC) de 1992, solidificando sua posição na elite do DJing mundial. Ao longo de sua carreira, Qbert tem sido um líder na inovação do turntablism e um educador dedicado. Em maio de 2009, ele lançou a Qbert Skratch University (QSU), uma escola de aprendizado online que proporciona uma plataforma interativa para DJs de todo o mundo, promovendo uma comunidade vibrante de artistas do scratch.
Em abril de 2013, durante um debate ao vivo na Skratch University, Qbert compartilhou seus pensamentos sobre a evolução do DJing, a importância da teoria do scratch e como ele encara sua jornada como um eterno estudante da arte.
A Teoria do Scratch: explorando as profundezas do DJing
Mesmo com sua vasta experiência e seus muitos títulos, DJ Qbert se define como um eterno estudante. “Deixe-me começar dizendo que também sou estudante. Ainda estou aprendendo coisas e realmente… Estou apenas arranhando a superfície — desculpe o trocadilho — de aprender sobre a teoria do scratch”, disse ele logo no início da discussão.
Essa humildade e desejo constante de aprendizado são características que definem não só sua carreira, mas também sua abordagem ao ensino por meio da QSU.
A Teoria do Scratch, segundo Qbert, vai muito além das técnicas básicas. Trata-se de uma filosofia que abrange a manipulação criativa do som e a expressão de emoções por meio do scratching. Para ele, o DJing é comparável à arte visual, onde conceitos como volume, profundidade e eco podem ser traduzidos em formas tridimensionais de som. Qbert
menciona que Justin Bua, artista visual, que o ajudou a entender essa conexão. “Bua realmente me ensinou muitas coisas sobre pintura e arte e como isso se aplica à teoria do scratch. Ele estava falando sobre profundidade e coisas assim, e como isso é tridimensional. Eu meio que traduzi isso para o volume, você sabe, como ecoar os scratches e coisas assim.”
Essa abordagem que mistura arte visual e DJing reflete o desejo de Qbert de expandir as fronteiras do que o scratching pode ser. Ele vê o DJing como uma forma de arte que transcende suas raízes no hip hop, uma evolução que está apenas começando. “A teoria do scratch é sobre sair do básico e começar a criar com esse novo vocabulário”, afirmou.
Legenda: DJ Qbert byJustin BUA
De técnicas básicas a uma nova linguagem
Nos anos 1980, quando o scratching começou a surgir na cultura hip hop, ele era amplamente visto como uma técnica rudimentar, usada para adicionar efeitos sonoros às batidas. Hoje, Qbert vê o scratching como uma linguagem completa, que pode ser usada para expressar ideias complexas e emoções profundas. Ele explicou que, à medida que a prática do scratching evoluiu, as técnicas básicas deram lugar a uma verdadeira gramática musical, permitindo que os DJs construíssem frases e contassem histórias por meio do som.
“Agora que sabemos como fazer scratches, a questão é por quê. A teoria do scratch é sobre sair do básico e começar a criar com esse novo vocabulário”, disse ele. Para Qbert, o scratching se tornou um idioma em que o DJ pode “conversar” com o público, criando uma narrativa sonora que vai além das batidas e dos efeitos. Essa evolução técnica é um reflexo direto do que Qbert chama de “gramática do scratch”, onde a compreensão de como os sons se entrelaçam e se sobrepõem se torna a chave para um desempenho mais dinâmico. “Começamos com scratches simples, depois as pessoas começaram a usar o crossfader, depois vieram as técnicas de flaring, o uso do vinil em velocidades diferentes, e então tudo se tornou mais sobre teoria musical, com a cor, a
textura, as emoções, o lado espiritual”, afirmou.
O elemento espiritual no scratching
Um dos aspectos mais fascinantes da abordagem de DJ Qbert ao DJing é a importância que ele dá ao elemento espiritual. Para ele, o scratching não é apenas uma atividade técnica, mas também uma forma de meditação. “Às vezes, eu faço esses exercícios de meditação e, depois de cerca de 20 minutos, entro em um estado onde tudo parece se encaixar. Isso acontece com o scratching também, onde você atinge um estado de foco profundo, onde tudo flui naturalmente”, explicou.
Qbert comparou esse estado de fluxo a um fenômeno que alguns atletas de elite experimentam, onde os movimentos parecem desacelerar, permitindo uma percepção mais clara do que está acontecendo ao redor. Ele mencionou que, durante sessões de scratching, frequentemente atinge um ponto onde suas mãos estão operando no presente, enquanto sua mente está alguns segundos à frente, antecipando os próximos movimentos.
“Quando você entra nessa zona, seus scratches ficam assim, onde você já está pensando no próximo movimento enquanto suas mãos e o som estão no presente”, disse ele.
Essa descrição revela a profundidade com que Qbert encara sua prática, onde o scratching se torna quase uma extensão de sua própria mente e corpo, um meio de expressão onde o
tempo e o espaço parecem se dissolver.
O silêncio como parte da música
Durante a discussão, Qbert também abordou a importância do silêncio na música e no DJing. Ele destacou como as pausas e os espaços vazios podem ser usados para criar tensão e dar mais impacto ao som. “O silêncio é tão importante no scratching quanto o som em si. As pausas criam tensão, assim como na poesia ou na arte, onde o espaço negativo
adiciona significado”, observou.
Essa ideia de usar o silêncio como parte integral da música está em sintonia com o conceito de minimalismo em várias formas de arte, onde o que não é dito ou mostrado é tão importante quanto o que é exposto. Para Qbert, os momentos de pausa no scratching são oportunidades para o DJ criar uma expectativa no público, tornando o retorno do som ainda
mais poderoso.
A transição do vinil para o digital
Embora DJ Qbert tenha começado sua carreira trabalhando exclusivamente com vinil, ele reconhece as vantagens e desafios que as tecnologias digitais trouxeram para o DJing.
Durante a discussão, ele refletiu sobre as diferenças entre o scratching feito com vinil tradicional e o uso de sistemas digitais, como o Traktor.
“Quando se trata de digital vs. vinil, há uma pequena diferença na sensação, especialmente para scratches mais complexos. O vinil me dá mais controle para certas técnicas, mas o
digital é conveniente para performances ao vivo”, explicou Qbert.
Ele mencionou que, embora o vinil ainda ofereça uma sensação única para técnicas mais avançadas, os sistemas digitais permitem que os DJs realizem performances com uma flexibilidade que seria impossível de outra forma. A capacidade de misturar faixas de diferentes fontes e manipular sons digitais em tempo real tem permitido que Qbert e outros
DJs explorem novos territórios criativos.
Essa flexibilidade em usar diferentes tecnologias mostra que, para Qbert, o importante não é a ferramenta em si, mas a forma como ela pode ser usada para aprimorar a expressão
artística.
DJ QBERT tocando AO VIVO
A jornada contínua de Qbert
DJ Qbert continua a ser uma força inovadora no mundo do turntablism, e sua dedicação ao ensino e à expansão das fronteiras da arte do scratching é evidente. Para ele, o DJing não é apenas sobre técnica ou performance, mas sobre criar uma conexão profunda com a música, com o público e com algo maior. Em suas próprias palavras: “Ainda estou aprendendo, e essa jornada nunca vai acabar.”
Com uma carreira que já atravessa décadas, DJ Qbert permanece como uma inspiração para DJs em todo o mundo, mostrando que, independentemente do nível de habilidade ou
reconhecimento, sempre há algo novo a descobrir e a explorar na arte do scratching.
QBert centraliza suas atividades no site oficial www.djqbert.com. A plataforma oferece uma variedade de produtos como discos de vinil, roupas, equipamentos para DJs, além de
downloads de músicas exclusivas. Também abriga a marca Dirtstyle Records, fundada pelo próprio QBert, com lançamentos e acessórios para DJs. O site é voltado tanto para fãs da
cultura DJ quanto para profissionais, incluindo assinaturas que oferecem descontos e acesso a edições limitadas de seus produtos.
DJ Q-Bert – Wave Twisters. Um filme de 2001.
Notas:
1- O Turntablism é a arte de manipular sons e criar músicas usando o toca-discos e mixer. A palavra turntablist foi criada para descrever a diferença entre um DJ, que apenas reproduz discos, de um DJ que manipula e mistura as músicas para criar um novo som.
2- O Rock Steady Crew (RSC) foi uma equipe de breakdance criada em 1979, no Bronx, Nova Iorque.
3- Crazy Legs é um b-boy americano, undador da Rock Steady Crew, e foi destaque nas primeiras histórias sobre breakdance que apareceram na grande imprensa.
4- Justin Bua é um artista conhecido por suas pinturas narrativas líricas de músicos, DJs e personagens. Bua projetou e ilustrou uma infinidade de produtos que que incluem skates, capas de álbuns de CD, vestuário e campanhas publicitárias.