Kauã Vasconcelos é estudante de Ciências Sociais da PUC-Rio e membro fundador da Mondé Produções, produtora multicultural fundada no Rio de Janeiro que tem como enfoque principal trabalhos com música, cinema e design; e escreveu esse texto sobre sua experiência na festa TropikAll Vibez, realizada no dia 3 de Abril de 2015. Crédito das imagens: Deu Zebraa.
Confira o artigo:
A noite da última Sexta-feira, dia 03 de Abril, foi especial para a cena musical da cidade do Rio de Janeiro, mesmo que grande parte da cidade não tenha ideia disso. No La Paz, casa noturna do bairro da Lapa, um Line Up de quatro shows seguidos superou todas as expectativas que poderia haver sobre a festa TropikAll Vibez. Em nenhum cenário possível, mesmo conhecendo o talento da maioria dos artistas que se apresentaram, poderia vislumbrar a força e a contundência que os shows deixaram no ar.
Depois de uma interessante, porém crua apresentação do grupo Afrofunk, comandadas no mic pela sempre enérgica Negra Rê, que se seguiu pela morosidade de um dos DJs residentes, o público ficou anestesiado e com a certeza de que seria só mais uma noite comum na repetição da liquidez da noite carioca. Ledo engano.
A apresentação do grupo Antiéticos, formado por Flávio Santa Rua, Thiago Ultra e o DJ Will-ow, foi a ponta da navalha na curva dos acontecimentos da noite. Donos de um discurso incisivo e hostil, deixando sangrar a questão racial sem pena. Os beats estourando na mente de todos na plateia, a galera mais próxima batendo cabeça e os desavisados frequentadores da casa espantados com o tom agudo da crítica. Flávio intercalava as músicas com discursos contundentes que levaram parte da plateia aos gritos e outros as vaias. Em um ponto do show o MC fez uma crítica direta a dois “estandartes” da música brasileira, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, desqualificando os dois e o movimento da Bossa-Nova. Foi seguido de vaias pelo público que não comprou a ideia do grupo, onde criticar figuras como Vinicius e Tom é uma maneira de expressar algo de forma performática para chocar. Para os que já apontavam um discurso de ódio por parte do grupo, ao fim do show os mesmos ofereceram seus CDs ao público em troca de um abraço. Jogada de mestre, desmontando todos que estavam ali. Coisa de artista.
Logo em seguida, dando continuidade aos acontecimentos improváveis daquela noite, o grupo d’Os Descolados entrou em cena. Seu vocalista, Espanhol, já começou seguindo a pegada dos discursos pró juventude negra em manifesto contra os acontecimentos recentes no Complexo do Alemão (crítica já iniciada no show dos Antiéticos). Depois o que se seguiu foi pura festa, com os dançarinos Salsa e Kipula convocando o público pra dançar. “Vai” e “Festa na Favela” colocaram a casa a baixo e depois se seguiu um coro com a plateia no ritmo do batidão do funk.
O duo de rap Carta na Manga veio logo em seguida, e o clima no ar já era o de êxtase. Com a batida cravando nos ouvidos, Mau e MG convocaram o público já no começo para o coro de “Rio Pra Quem?”. Com muita energia e seu som de crônica da cidade, o Carta na Manga colocou a galera pra pular, cantar e dançar. Destaque para a participação de Marcão Baixada na pedrada “Rolezinho”, da dançante e hipnótica “Sandália” e do final eufórico ao som de “Calor no Baile”, celebrando a desobediência com todos os artistas presentes em uma desordem coletiva de alegria. Nesse momento, a galera de fora já tava de cara querendo saber de onde vinha aquela musicalidade nova e que força era aquela, querendo participar também da festa. Já era o sinal da consolidação de uma noite importantíssima para os rumos da música na cidade.
Por fim, o sempre carismático e imagético Marcão Baixada colocou o que sobrou da casa no chão. Com sua levada única, Marcão estourou o som da Baixada no ouvido dos que sobreviveram ao fim da noite no La Paz, que não eram poucos. Seus beats enérgicos fizeram até os transeuntes descompromissados (aquela galerinha que perdeu a história acontecendo na cara deles e tava na casa só de rolé ou ouvindo DJ no primeiro andar) pararem para entender o que era aquilo… “Esse neguinho de cabelo loiro e blusão estampado está realmente cantando em cima dessa batida?”. É ele tava sim. E ao som de “Bang Bang” e do já clássico “Danny Glover” chamou o bonde firme pra cantar e pular. Antes de fechar a noite, Marcão colocou em palavras, sabiamente, o que tava rolando no local. Esse espaço não podia mais ser negado àqueles artistas, pois eles haviam acabado de conquista-lo. Não há motivos para repetir atrações e virar as costas para tanto talento. Não dá pra calar a reação do público com o que esses artistas fizeram nessa última noite de sexta, numa despretensiosa balada de feriado na Lapa. Eles foram além, eles fizeram muito mais que cumprir o combinado, superando todas as expectativas. Eles fizeram a nova cena acontecer*.
*Kauã também é autor dos artigos “Desdobrando a Distopia” e “Do rolezinho ao isoporzinho: A apropriação invertida“.