quinta-feira, 7 novembro, 2024

Morro Agudo e seu potencial para se tornar um bairro turístico

É possível realizar uma uma transformação cultural num bairro decadente e abandonado pelo poder público e torná-lo uma das áreas mais promissoras e visitadas da sua cidade?

A primeira vez que falei que faria algo do tipo em Morro Agudo algumas pessoas riram de mim, imagino que quando Tony Goldman, empresário americano, falou que faria o mesmo em Little San Juan, conhecida atualmente como o distrito de Wynwood, em Miami, nos Estados Unidos, as pessoas também riram dele.

O bairro era até pouco tempo atrás um território bastante hostil. Violência, drogas, armas, prostituição e gangues se sentiam confortáveis em um enclave não muito distante do centro de uma cidade que ainda tem na memória o estigma do crime e da corrupção, que a marcou na década de oitenta. Cinco anos atrás, Wynwood ainda era um desses lugares onde é melhor não entrar por engano.

Hoje, mal restam vestígios desse passado sinistro, e a região está vivendo uma efervescência cultural, social e econômica quase sem comparação nos Estados Unidos. O milagre foi da obra da arte de rua, das centenas de artistas que transformaram, e continuam transformando diariamente, a fisionomia antes deprimente de suas ruas, que se tornaram uma gigantesca pintura que salpica de cores vivas de cada casa, cada loja e cada esquina.

Marcão Baixada em Wynwood, Miami

Em 2015, o Wynwood Art District foi nomeado como um dos 4 melhores bairros dos Estados Unidos pela American Planning Association (APA).

Eu, por outro lado cresci longe de Miami, mas num bairro tão zoado quanto Wynwood. Em Morro Agudo, bairro da cidade de Nova Iguaçu, área onde inicialmente era a Fazenda Japeaçaba, de propriedade do Conde de Iguaçu, e que tempos depois passou a receber o nome de Bonfim de Riachão, e posteriormente, Morro Agudo, em homenagem à Fazenda Morro Agudo. Hoje em dia o  bairro também é conhecido como Comendador Soares, graças ao comendador Francisco José Soares, dono da fazenda. Mas a população prefere Morro Agudo.

Durante todo o esse tempo o bairro teve pouco progresso e as melhorias urbanas mais relevantes iniciaram-se no ano de 1931, quando foi aberta a Rua Tomás Fonseca, principal rua do bairro, ligando até a estação de trem, que foi pavimentada em 1951.

Eu ouvi muitas vezes que nada de bom havia no local. Cansei de ouvir também que quem melhorasse de vida financeiramente deveria sair do bairro, e vi muitos irem embora.

Na minha infância muitos dos meus amigos foram assassinados, quase sempre um matava o outro por conta de brigas sem sentido, crimes menores e drogas. Nunca um crime foi investigado. Não havia policiamento. O esgoto era a céu aberto na maioria das ruas. Não haviam atividades culturais para os jovens. A única coisa que havia era um total descaso por parte do poder público. Estávamos literalmente entregues a nossa própria sorte.

Contudo, sempre enxerguei em Morro Agudo um grande potencial, pois além de atualmente ser um dos bairros mais importantes da cidade de Nova Iguaçu, há uma grande concentração de artistas – muito bons – e está localizado estrategicamente entre a rodovia Presidente Dutra e a linha férrea, possibilitando diversas formas de entrar e sair do bairro.

Comecei a viajar para alguns lugares do mundo e conheci alguns bem legais, e sempre imaginei que algumas coisas poderiam ser replicadas em Morro Agudo, meu objetivo sempre foi criar algo para ‘enriquecer’ a comunidade, impactar positivamente na economia local, na educação, aumentar a auto-estima dos moradores e inspirar iniciativas semelhantes ao redor do país e quem sabe do mundo.

Dudu de Morro Agudo em Wynwood, Miami

De todos os locais que conheci, Wynwood foi o que mais me chamou atenção, pois lá o graffiti fez toda a diferença e eu tenho certeza que o graffiti também será o carro chefe que realizará essas transformações no meu bairro e consequentemente na minha cidade.

Há um ano idealizei o Galeria 20-26, projeto que tem como objetivo criar painéis grafitados nas principais ruas do bairro, principalmente nas ruas por onde passam os ônibus intermunicipais, criando uma galeria de arte urbana a céu aberto. A ideia é iniciar uma relação com os moradores para que cedam seus muros para a arte, e também um intercâmbio entre grafiteiros do bairro com grafiteiros de outras regiões.

Com isso pretendo deixar a arte do graffiti em mais evidência na região, assim como os artistas, e consequentemente aumentar a procura pela arte, principalmente pela juventude local, pois assim formaremos novos artistas e haverá uma expansão natural do projeto. O intuito é deixar o local mais bonito e fazer com que cada vez mais pessoas circulem pelo bairro, para pintar ou somente para apreciar os graffitis.

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É claro que tudo isso orbita em torno do Instituto Enraizados, organização de hip hop que criei há 18 anos e cujo a sede é o bairro de Morro Agudo. Veja bem que eu não disse que a sede é “em” Morro Agudo, mas “o” bairro de Morro Agudo, pois acredito que vamos impactar todo o bairro através da cultura hip hop, e quando eu digo impactar, quero dizer nas escolas, na economia, na segurança pública, no transporte, na política, resumindo, impactar a sociedade de diversas formas diferentes, porém conectadas.

Durante esses 18 anos, os quais 10 anos foram dedicados quase que exclusivamente ao bairro, já tivemos um grande progresso, pois centenas de pessoas de diversos países como Estados Unidos, França, Alemanha, México, Curaçao, Chile, Cuba, Portugal, Etiópia, Irlanda, Itália, Uruguai, Colômbia, Canadá, entre outros, já estiveram no bairro para colaborar com o Enraizados, praticar suas artes e/ou interagir com outros artistas, tudo de forma bem orgânica, contudo nos próximos dez anos, pretendo intensificar e focar em atividades que tragam cada vez mais pessoas para o bairro.

Nossas atividades de intercâmbio são eventos como o Caleidoscópio e o Sarau Poetas Compulsivos que tem a missão de conectar o bairro com outros locais, assim como os artistas. E anualmente atingimos diretamente 2.000 pessoas, trazendo muita gente de fora para o bairro.

No próximo ano inauguraremos o Espaço Enraizados, um centro cultural para prática e promoção da cultura urbana, e tenho certeza que terá um impacto muito positivo no bairro e e será muito importante para o hip hop na região. Será um espaço com biblioteca, estúdio de gravação, núcleo de comunicação (rádio, TV e revista), espaço multi-uso para cursos, seminários, ensaios e co-working e um dormitório para que artistas de outros locais possam passar a noite no bairro.

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Com um ano e meio do projeto Galeria 20-26 conseguimos realizar cerca de 07 painéis no bairro, com 26 grafiteiros, da Baixada, do Leste Fluminense, da Zona Oeste e da Zona Norte. Nossa expectativa era que somente a partir de 2019 os turistas começassem a circular pelo bairro, contudo em 2016 a Casa Fluminense e os parceiros da Campanha #Rio2017, que estavam num projeto que previa pedalar de Japeri a São Gonçalo, fizeram uma parada em Morro Agudo para conhecer a Galeria 20-26 e ainda almoçaram no Buteco da Juliana, um bar onde acontecem muitas atividades culturais no bairro.

Em 2017 aconteceram 03 intercâmbios internacionais no Espaço Enraizados, trazendo pessoas dos Estados Unidos e da França para Morro Agudo.

Esses fatos me faz acreditar que em 2018, quando o Espaço Enraizados será inaugurado, poderemos trazer cerca 120 grafiteiros de diversas partes do mundo para o bairro para pintar pelo menos 12 painéis durante o ano, contudo acreditamos também que outros painéis serão criados por iniciativa dos próprios artistas e moradores. Além destas atividades, o Instituto Enraizados realizará também muitas outras com os outros elementos da cultura hip hop, tudo isso sendo divulgado e documentado pela nossa equipe de mídia alternativa, criando um ecossistema de inovação.

A referência a “ecossistemas de inovação” remete claramente para a analogia aos ecossistemas biológicos pondo em evidência a multiplicidade, a interdependência e o fenômeno de co-evolução entre os atores que o compõem, todos irmanados num objetivo comum, a evolução dos participantes.

Esse conjunto de atividades e atores nos dá força o suficiente para fazer com que 10.000 pessoas se desloquem para vivenciar e contribuir com nossas atividades culturais anualmente.

Sobre Dudu de Morro Agudo

Rapper, educador popular, produtor cultural, escritor, mestre e doutorando em Educação (UFF). Dudu de Morro Agudo lançou os discos "Rolo Compressor" (2010) e "O Dever Me Chama" (2018); é autor do livro "Enraizados: Os Híbridos Glocais"; Diretor dos documentários "Mães do Hip Hop" (2010) e "O Custo da Oportunidade" (2017). Atualmente atua como diretor geral do Instituto Enraizados; CEO da Hulle Brasil; coordenador do Curso Popular Enraizados.

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01 comentário

  1. Eliane Gonçalves

    Gostei da ideia e acredito nela.

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