quinta-feira, 7 novembro, 2024
Colunista Dudu de Morro Agudo
Colunista Dudu de Morro Agudo

Quem é o culpado pela enchente? Eu sei e digo!

 

Quem sou eu para apontar um dedo e dizer que o prefeito é o culpado por tanto sofrimento na cidade?
Sou um cidadão, que paga seus impostos em dia e se sente no direito de apontar não só um dedo, mas todos o seus dez dedos da mão e mais seus dez dedos dos pés. Sim, dos pés, porque sou bom nos “paranauê”.

Vamos fazer uma retrospectiva rápida?
A menos de um mês uma chuva forte, veja bem, eu disse chuva forte e não disse temporal, deu um baita prejuízo a um monte de gente aqui no bairro onde moro, inclusive eu tive prejuízos por conta de uma infiltração no “Estúdio Enraizados”. Muitos equipamentos molharam e eu nem sei ainda o tamanho do meu prejuízo, pois não deu tempo de ligá-los pra saber o que queimou e o que não queimou. Em momento algum eu culpei o governo municipal, estadual ou federal, pois eles não tiveram culpa mesmo, se eu tivesse que culpar alguém, culparia a minha senhoria, que por “mãodevaquice” contratou o pedreiro e o fez usar material de terceira. Nesse caso ela seria a culpada.

A chuva chegou fortemente e os rios do bairro “quase” transbordaram. O rio Botas, que é o principal rio da região, ficou de água pelas beirolas. Aí é que entra o governo municipal. Onde as autoridades estavam que não viram isso, porque não drenaram o rio, porque não prepararam uma equipe para fazer uma drenagem no momento da chuva como foi feito na Tijuca? (Eu nem sabia que isso era possível, vi isso no jornal). Quero dizer com isso o seguinte, alguma coisa deveria ter sido feita, se não previamente, durante o ocorrido ou logo depois, mas nada foi feito.

Dias depois veio a segunda chuva. Porradão. Inundou a cidade. Um monte de amigos, parentes e pessoas que eu não conheço, perderam móveis e eletrodomésticos que compraram em 12 vezes nas Casas Bahia, resultado do suor de muito trabalho. Pessoas estavam com água na cintura. Tentando salvar o que dava.

Eu olhava aquela aguaceira pela janela da cozinha da minha casa e imaginava o desespero das pessoas que estavam na rua. Lembrei da minha infância, a casa onde moro hoje ficava quase submersa. Lembrei de uma enchente macabra em Jacarepaguá, eu tinha uns cinco anos de idade, lembro da minha familia desesperada tentando salvar suas vidas, porque a água minava pela parede e saia pelos buracos das tomadas.

Eu imaginava as pessoas que estavam olhando a água invadir suas casas sem poder fazer nada. Eu comecei a orar por essas pessoas. Eu nem sou religioso, mas foi o que deu pra fazer na hora.

Minha namorada ligou pra casa dela, onde sua mãe estava só. Minha sogra sem ter o que fazer, estava lá observando a água ultrapassar a barreira de tijolos que ela mandou um pedreiro fazer, prevendo as chuvas de verão. Ela previu, mas o prefeito não.

Ela estava preocupada com a máquina de lavar roupas, recém comprada com muito sacrifício, e que ainda estava pagando a quarta parcela. Assim como refrigerador, o sofá e o fogão, comprados depois de muitos anos de planejamento. A solução foi pedir ajuda aos vizinhos e tentar colocar alguns móveis em locais teoricamente seguros.

No dia seguinte ninguém foi ao trabalho, todos em mutirão tentando limpar o estrago feito pela chuva que trouxe lama com lixo e restos de animais. Foi um dia inteiro de limpeza dura.

Tudo isso se passou e eu não fiz nenhum comentário nas redes sociais, não acusei ninguém, apesar de saber quem eram os culpados. Mas, eu, na minha quase ausente inocência, acreditei que algo estava sendo feito para evitar uma terceira enchente, pois a mãe natureza estava avisando em alto e bom som que da próxima vez rolaria até mesmo umas tragédias.

Eis que em menos de uma semana depois tudo se repete. A cidade estava novamente despreparada para a chuva. As pessoas perderam tudo novamente. Passaram pelo mesmo desespero de dias atrás acreditando que daqui a alguns dias passarão pela mesma situação.

Desta vez a água na casa da minha sogra estava na altura dos joelhos. Uso a casa dela como referência porque, além de ser uma das casas mais altas da rua, ainda tem uma barreira de tijolo, como eu já havia citado antes. Agora imagem vocês as outras casas em situação menos favorecida.

A professora de Muay Thay do Enraizados me ligou hoje, novamente, dizendo que não poderia ir dar aula porque a casa dela encheu novamente. Eu só pude dizer aquela frase pronta: – Se precisar de alguma coisa me liga.
Mesmo sabendo que ela precisava de tudo e de que eu nada podia fazer.

Eu estava preocupado com o gerente do Espaço Enraizados que ainda não havia chegado, então liguei pra ele, que não me atendeu e me deixou ainda mais preocupado. Cerca de meia hora depois ele me liga, dizendo que havia acabado de chegar em Morro Agudo e que estava tudo alagado em Miguel Couto, bairro em que ele mora.

As redes sociais foi o local onde o povo iguaçuano encontrou espaço para uniu suas forças para protestar contra esse governo omisso e elitista. Foi através das redes sociais que nós compartilhamos nosso sofrimento e tentamos ajudar os que mais necessitam através de campanhas de arrecadação de alimentos e roupas para os desabrigados.

Eu aponto todos os meus dedos e digo que isso tudo é culpa do governo, culpa do prefeito que é o líder, o prefeito que não dá a atenção necessária a esta situação. Situação esta que vai continuar se repetindo se nada for feito. Quero que alguém me prove que estou errado, que minha acusação é sem fundamento. Não estou aqui para apontar secretarias A ou B, eu coloco todos no mesmo caldeirão, farinha do mesmo saco, pois o governo é um só e deve governar “com” e “para” o povo.

Obs: Janeiro está chegando!

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Sobre Dudu de Morro Agudo

Rapper, educador popular, produtor cultural, escritor, mestre e doutorando em Educação (UFF). Dudu de Morro Agudo lançou os discos "Rolo Compressor" (2010) e "O Dever Me Chama" (2018); é autor do livro "Enraizados: Os Híbridos Glocais"; Diretor dos documentários "Mães do Hip Hop" (2010) e "O Custo da Oportunidade" (2017). Atualmente atua como diretor geral do Instituto Enraizados; CEO da Hulle Brasil; coordenador do Curso Popular Enraizados.

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