Morro Agudo é o bairro onde eu nasci e vivo há 35 anos, onde dedico minha vida trabalhando com meus parceiros em busca de melhoria e oportunidades para a juventude. O lugar que adotei como meu sobrenome, que falo com imenso carinho, e onde trouxe milhares de pessoas, de diversas partes do mundo para conhecer.
Esse é o meu Morro Agudo.
Mas vou contar um breve relato, que talvez vocês não saibam:
Nasci em 1979. Minha infância foi nas ruas, brincando com meus amigos. Entre uma brincadeira e outra, íamos ver os corpos sem vida, às vezes atropelados na Via Dutra, outras assassinados. Muitas vezes pessoas que se conheciam desde a infância se matavam por motivos fúteis.
Tudo isso fazia parte do meu cotidiano. Quando meus pais chegavam do trabalho, nossa conversa durante a janta – nos intervalos comerciais entre a novela – era sobre os mortos do dia.
O tempo foi passando, fui crescendo e meus amigos continuaram se matando. Cada vez morrendo mais jovens, todavia os motivos eram sempre os mesmos.
Quando iniciei minha história no hip hop, comecei a ter um olhar crítico a respeito da minha comunidade. Percebi que em todos esses anos, NUNCA, eu disse NUNCA, houve sequer uma investigação sobre as mortes violentas que aconteceram na minha comunidade.
Os anos foram passando e nada mudava. Um vizinho – e camarada – morreu aos 17 anos porque fumava maconha no bairro, outro morreu porque era encrenqueiro, não fazia mal à ninguém, apenas era chato, esse foi o motivo de um amigo de infância tirar sua vida após várias tentativas. Outro morreu com 16 anos por causa de inveja, também morto por um amigo de infância. Atualmente, até esses jovens que mataram, já foram mortos.
No dia 31 de março de 2005, eu tinha 26 anos, foi quando aconteceu a maior chacina aqui da região, onde 29 pessoas inocentes foram assassinadas em Nova Iguaçu e em Queimados. Eu lembro muito bem o que eu fazia no exato momento da chacina. Estava vindo da rádio comunitária do Fator Baixada, que funcionava na casa do DJ do grupo. Eu andava pela rua, por sorte os assassinos não passaram por essa rua.
O caso ganhou repercussão mundial, mas acredito que foi somente porque foram 29 mortos de uma só vez, pois se formos contar as mortes violentas de cada mês, esse número certamente ultrapassará essa marca.
A questão é: Dez anos se passaram. Quais foram as políticas públicas de segurança que foram aplicadas na região?
Depois da implantação das UPPs nas favelas do Rio de Janeiro a violência na Baixada Fluminense aumentou, os dados comprovam. O aumento de roubo de carros, por exemplo, aumentou muito. Meu tio teve o carro roubado na porta de casa por bandidos armados com fuzil, coisa que não se via por aqui anos antes. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes subiu de 52 para 58, de 2013 para 2014.
E quem está nesse fogo cruzado é quem paga muitas vezes com a vida. Pessoas inocentes. Como “quase” foi o caso de um dos meninos que cresceu no Enraizados, na escola de hip hop Enraizados na Arte, e que hoje trabalha ministrando aulas de graffite em uma escola pública do bairro.
Ele foi baleado na perna, após homens tentarem assassinar um outro jovem do bairro – sabe-se lá por qual motivo. Ele ficou literalmente no meio de um fogo cruzado e levou um tiro na perda, e agora está internado em um hospital público, com a canela quebrada ao meio.
Alguns dizem que ele deu sorte, pois o tiro poderia ter sido no joelho, no peito ou na cabeça. Mas pra mim ele teve muita falta de sorte, pois estava tentando ir para casa pelo caminho que considerava o menos perigoso, dentre todas as opções que tinha, depois de um dia inteiro de trabalho e de estudo.
Jean Lima, mais conhecido como grafiteiro Babu, um cara da paz, mais uma vítima da violência da região da Baixada Fluminense.
Pra mim não importa quem deu o tiro e muito mesmo a quem ele estava endereçado, o que importa realmente é saber porque as pessoas andam armadas aqui e ninguém faz nada? É saber porque um jovem pacífico, que não faz nada de errado, está internado, com um monte de ferro na perna, com sua vida estagnada?
Sem contar com a paralisação da vida de seus familiares. Você consegue imaginar o que o pai dele sentiu quando recebeu um telefonema dizendo que o filho havia sido baleado enquanto voltada da escola?
Eu sei o que ele sentiu porque ele me disse: – “Eu achei que isso nunca fosse acontecer com meu filho. Não estava preparado. Perdi o chão”.
Infelizmente na Baixada Fluminense é assim, todo mundo anda armado. Os assaltantes que roubam de bicicleta e de moto andam armados, os que roubam na passarela andam armados, os que vendem drogas andam armados, o maconheiro não anda armado, mas é alvo (por aqui não tem distinção entre tráfico e usuário), os justiceiros, milicianos e policiais também andam armados.
Sabe quem não anda armado? Nós!!!
O que nos resta é rezar para que nenhuma dessa balas nos achem e para que a taxa de homicídios na região não se iguale à de 1989, quando a Baixada conheceu seu mais alto índice de homicídios: 95,55 mortos por 100 mil habitantes.