Numa cinza tarde de outono o caramujo Vladislauro, ou simplesmente Vlad, fartou-se de sua vazia existência e decidiu deixar o brejo onde habitava.
Encheu sua concha de dúvidas, sobretudo de esperanças, e aguardou sua amiga Aza Léia, uma marreca que de vez em quando o visitava. Vlad foi seduzido pelas magníficas histórias que essa ave migratória lhe contava a respeito de pessoas e lugares que conheceu, mas interessou-se principalmente por certo fenômeno chamado amor, que segundo Aza Léia, era a única coisa que podia encher o vazio existencial. E lá se foi agarrado no dorso de Aza Léia em busca daquilo que poderia torná-lo pleno.
[…] interessou-se principalmente por certo fenômeno chamado amor […]
Ao sobrevoarem a cidade ele ouviu ao longe alguém cantando: “Eu te amo, meu amor, eu te amo, meu amoooooor…”. Vladislauro então pediu a Aza Léia que fizesse uma escala num imenso pé de Jerivá que ficava bem em frente a janela do apartamento onde um papagaio com o tornozelo preso a uma corrente fazia estripulias vocais. Vlad exultante falou: – Poxa… Foi mais fácil que imaginei alcançar meu objetivo, pois com certeza o “loro” sabe do assunto!
No entanto, foi interrompido por um esquilo que estava num galho acima: Balela, balela, ele só está repetindo um hit que toca diariamente no rádio, na realidade ele é um ingrato que belisca o dedo de quem vem lhe alimentar!
Frustrado, Vlad perguntou ao tal esquilo se ele conhecia alguém que pudesse lhe ajudar, ele respondeu que seu primo de terceiro grau vivia falando que no Sul havia um coelho chamado Formoso, e que ele era expert na arte do amor. Vladislauro animou-se novamente e pediu a Aza Léia que continuassem a viagem, no entanto ela desculpou-se e disse que não poderia levá-lo, pois naquela época não havia comida por lá, e que ele teria de fazer uma conexão. Nesse exato momento veio um macaco pulando de galho em galho cantando: – “Vou pra Porto Alegre, tchau…”.
Sem que o símio percebesse Vlad enrolou-se em sua cauda e seguiu sua jornada.
[…] o Sul havia um coelho chamado Formoso, e que ele era expert na arte do amor […]
Chegando lá, foi logo ter com Formoso, um coelho que fazia grande sucesso entre as fêmeas de sua espécie, antes que Vladislauro dissesse algo ele foi logo falando: Já sei, és mais um que veio aprender a arte do amor, certo? Tome nota: – O amor se manifesta sempre na minha toca quando copulo, He, he! Já fiz mais de oitenta filhotes, haja amor, não é mesmo?
Vlad discordou, não acreditou que um fenômeno tão especial se resumia somente em sexo.
Irritadíssimo, Formoso esbravejou: – Quem és tu caramujo para discutires comigo? Tá parecendo aquele gambá metido… É, aquele pândego chamado Quincas, que pensa que entende mais da matéria do que eu, dá licença, voltarei para minha toca para continuar amando!
Desapontado Vlad sentou-se num canto, até que surgiu uma cobra e perguntou-lhe o motivo da tristeza, depois de Vlad explicar toda a história o réptil em questão compadeceu-se e disse-lhe que conhecia alguém que poderia ajudá-lo e faria essa conexão. E sobre aquele áspero couro, Vladislauro deu sequência a sua peregrinação.
Chegando ao tal logradouro, Vladislauro ouviu música alta e risadas, de cara veio em sua direção um gambá cambaleante, após a cobra lhes apresentar, Vlad foi direto ao ponto: – Podes explicar-me o que é o amor?
[…] – Podes explicar-me o que é o amor? […]
Com a língua meio enrolada Quincas respondeu: – Olhe ao seu redor e veja quanto amor, quantos amigos, sempre que faço festas eles estão comigo… Antes de completar sua “elucidação” Quincas caiu de tão bêbado, seus “amigos” caíram na gargalhada e não lhe prestaram socorro, novamente Vlad não conseguiu associar o tal fenômeno esplêndido aquela situação.
A menos embriagada da festa era uma porca que estava de canto e o abordou: – Oh caramujo, estás procurando o mesmo que eu, parei aqui só para beber algo, mas já estou de saída, que tal irmos juntos? Conheci alguém, que conheceu alguém, que conheceu um cão lá das bandas do Leste, seu nome é Amadeu, e esse sim entende de amor.
Com o animo renovado o obstinado Vlad fez outra conexão, agora a bordo da tal porca.
Ao chegarem ao destino, Vladislauro viu um cão sendo surrado por seu dono, acertadamente, deduziu ser o tal Amadeu. Quando o agressor retirou-se, aproximaram-se do cão e Vlad perguntou: Quem é este desalmado? Com os olhos ainda úmidos e a voz embargada Amadeu respondeu-lhe: Ele é o meu amigo!
Amigo? Indagou Vlad. Continuou Amadeu: – Amar apenas quem lhe faz bem é fácil, até o pior dos seres é capaz de fazer isso. O amor não é baseado em sentimentos, sim em práticas. Quando eu estava apanhando intentei mordê-lo, mas jamais farei isso, pois sou o melhor amigo do homem!
Vladislauro então abriu um sorriso de contentamento e teve a certeza de ter achado a resposta que tanto procurou, e entendeu que havia chegado a metade da sua peregrinação, metade? Sim!
Pois ele retornaria ao seu habitat refazendo todas as conexões que lhe levaram até ali, para explicar a cada um deles o real significado desse fenômeno chamado amor.
Átomo – 03.05.15 – Tema “Conexão”